quarta-feira, 11 de maio de 2011

Homo Gênio


Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos
Vira uns de pernas para o ar
Põe uns em cima dos outros

E bate palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono

Ele invade minha intimidade
E até me constrange
E se diverte com meus gritos
Acalma meu rubor
Põe as pernas sobre as minhas

E bate palmas sozinho
Sorrindo para minha entrega.

Ele se descontrola de desejo
E às vezes expõe seu fervor
Me prende em casa ao som dos pingos
Arrefece meus vôos à vinho
Põe as mãos em meu couro

E durmo no embalo da respiração
Sorrindo para o encontro.

Ele quer mais
Quer sempre mais, não só de mim
Perfura sutilmente meu bloqueio
Desafia minha paciência
Põe lenha no fogo

E bate palmas sozinho
Sorrindo para a sorte.

Ele é onipresente nas canções
No dedilhar da viola aprendiz
No riso franzido de nariz
No Rolling Stones do fim de noite

Põe no pires meu orgulho

e bate palmas sozinho
Sorrindo para mim.

Ele é homem.
Homo Gênio.

Escrito depois de ler Fernando Pessoa numa tarde chuvosa.

Parceiro de Dança


Gosto de meter medo em mim.

O desafio descalço é minha sola.
O íngreme da encosta, minha mola.
E rio no fim, dos que riem de mim.

Gosto de ter medo de mim.

Via satélite, improvisos na tela.
Sopro a chama, apago a vela.
Ilumino no fim, a certeza de mim.

Gosto de ter medo.

Na sala, o silêncio é amigo.
No corpo, a música é abrigo.
E danço em festim, com quem foge de mim.

Medo. Tenho medo de mim.

CANTO

A idade traz cantos.
O pensamento só.
Sozinho, desfaço o nó.
Depois busco encantos.

Espaço é riqueza.
Conquista de adulto.
Silêncio é proeza.
Angústia, insulto.

Te deixo viver.
Te perco de vista.
Não vou te perder.
Sigo sua pista.

Mas quero meu canto.
Um sopro de ideia.
Meu tempo, meu pranto.
O show sem plateia.

Te vejo mais tarde.
Quando vier inteiro.
Chegarei sem alarde.
Sou seu paradeiro.
Por hora, me deixe solto.
Um dia te encontro, quem sabe.
Em meu rio revolto,
tudo nada, tudo cabe.
E o canto, será nosso.

Olhar de Verão

Olhar é maroto. Garoto é mar. E mar é paisagem pra se mergulhar. Olhar é confronto. Encontro é par. E par é de dois. Convém encarar. Olhar de relance. Romance no ar. E ar venta rápido. Não pode piscar. Olho sem pudor. Rubor é falar. A fala diz pouco. Sigo a flertar. Pestanas ao alto. Como assalto. Em silêncio.

CONEXÃO

Um pouco na tela.
Um tanto de ti.
Um monte de letra.
Um texto que li.

No computador.

Geringonça mais doida.
Que traz de repente.
O jeito, o cheiro.
Que só a gente sente.

No computador.

Ao fundo, arquivos.
Por dentro, vontades.
De frente, disfarces.
Por traz, saudades.

No computador.

Bendita conexão.
Que chega ao sofá.
Maldita paixão.
Que segue onde está.

No computador.

Chegue mais perto.
Deite comigo.
Quando desperto.
A rede desligo.

Acordo pro dia.
Pra gente que surge.
Pra noite que guia.
Pro tempo que urge.

No computador.

SEREIA


Cansou de imaginar onde estaria você.
Foi descobrir onde estava ela mesma.

Na tarde cinza, muralhas de água.
Venceu as ondas. Furou a arrebentação.
E mergulhou. No fundo de si.
Foi até onde a luz não bate.
A profundeza que ninguém visita.

Entrou sem aviso.
Viu peixes estranhos. Que nadam sem enxergar.
Plantas escuras. Que crescem sem o sol.

Arrancou uma a uma.
E deu direção aos cardumes cegos.

Oxigenou anseios.
Lavou o coração.
Subiu à margem, sem margem de dúvida.
Com ar de sobra, pôs-se a nadar.

Onde estará você?
Não importa...

Ela está no mar.
Cristalino, mar.

HOMENINO


O homem do meu destino.
É homem. É menino.

Um raio na sala escura.
Enche o cotidiano de cor.
Faz da dúvida uma pintura.
E prega na parede seu amor.

Depois, se esconde em voo distante.
Na rota de fuga inatingível.
Faz do sentimento um instante.
E põe na estante o inesquecível.

O homem do meu destino.
Está perto. Está longe.

Encanta o dia com gentilezas sutis.
Descobre os desejos inesperados.
Encara percalços em trotes gentis.
Acalenta anseios desesperados.

Depois, parte com pedaços de mim.
Apaga meu cheiro sem deixar pista.
Joga em tabuleiro sem fim.
Me faz de peça, me faz de isca.

É ele.
O homem do meu destino.

Homem e menino.